Gangorra processual


Parque de diversões da impunidade

O ministro dos Esportes Orlando Silva não caiu sozinho. Com ele, caiu também a competência do Supremo Tribunal Federal para julgá-lo.

Segundo o art. 102, inciso I, alínea ‘c’, da Constituição, cabe ao STF julgar o presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os ministros de Estado, entre outras autoridades. É o chamado foro especial por prerrogativa de função, ou foro privilegiado.

Como Orlando Silva deixou de ser ministro, seu inquérito deveria descer para a primeira instância. Porém, no meio da ladeira, havia o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que supervisiona outra investigação, esta contra o governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz.

Conforme o art. 105, inciso I, alínea ‘a’, da Constituição, ao STJ cabe julgar os governadores de Estado e do DF, os conselheiros dos tribunais de contas, os desembargadores etc. Como Orlando Silva e Agnelo Queiroz são investigados por fatos aparentemente conexos, o inquérito contra o ex-ministro fica no STJ.

Imaginemos agora que termine o mandato do governador ou que ele renuncie ou seja cassado. Neste caso, os inquéritos do ex-ministro e do ex-governador desceriam para a primeira instância. 

E se, nas eleições de 2012, o ex-ministro se candidatar a prefeito e se eleger, o caso subirá de novo, agora para o Tribunal Regional Federal (TRF).

Essa gangorra processual ocorre porque não há perpetuação da jurisdição no foro criminal. Estranho? Então, espante-se com o que aconteceu nos casos Gulliver e Donadon. Falei deles no post “Tentativa de Zignal” (aqui).

Este é apenas um dos motivos da impunidade no Brasil. Somos bons nisto.

3 comentários

  1. Penso que em uma interpretação mais escorreita do instituto “foro por prerrogativa de função” haveria de se observar que as imputações contra o Ex-Ministro Orlando Silva se referem a condutas supostamente por ele cometidas ao tempo em que ele estava no cargo de Ministro, e essas condutas se relacionavam com o exercício do cargo/função. Portanto, o processo deveria continuar tramitando no STF. Ou seja, a competência deve levar em conta a natureza do fato imputado e sua relação com a função exercida pelo acusado.

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  2. Prof. Vlad,

    O seu texto sobre o tema, reafirmo, realmente ficou muito bom, na extensão e na profundidade.

    Contudo, penso que sua intensão seja não apenas suscitar o debate, mas principalmente, através deste, a chegada a uma solução.

    Neste sentido, o que pensa sobre a ressurreição do enunciado nº 394 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal?

    Talvez uma resposta adequada para este problema seja uma remodelação do papel do Supremo Tribunal Federal, enxugando parte de sua competência originária, transformando-o em autêntica Corte Constitucional, e vale lembrar que o Ministro do texto é o sexto a perder o cargo, o quinto por denúncias de corrupção (afora o min e ex-deputado constituinte Nelson Jobim que provocou a própria retirada e saiu por conta de ter dito algumas coisas contra o governo).

    Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal foi recentemente ‘homenageado’ pelo prof. Oscar Vilhena Vieira com a expressão “Supremocracia”, no texto ‘Supremo Tribunal Federal: o novo poder moderador’ belo artigo escrito para a coletânea “Os juristas na formação do Estado-Nação brasileiro 1930-dias atuais” da editora Saraiva, pelo selo Direito GV, 2011 pp. 509/533.

    Sobre este aspecto, não tenho muita convicção acerca do acerto da conformação do Supremo Tribunal Federal, nos moldes atuais, como Tribunal Constitucional no modelo clássico.

    Porém, um problema se mostra inafastável, e que deve ser solucionado, qual seja, a questão do controle dos agentes e poderes da República. Melhor dizendo, se o STF for transformado em Corte Constitucional, deixando de lado sua competência que não diga respeito ao estrito Controle de Constitucionalidade de forma objetiva, quem terá competência para julgar seus integrantes por crimes comuns e de responsabilidade?

    No texto acima mencionado, houve uma parte em que se deu atenção ao julgamento do mandado de segurança nº 26.603 (caso da perda de mandato por infidelidade partidária), em que trecho do voto do min Celso de Mello é citada com certo efeito de pasmo, expressamente também é feito agradecimento ao prof. Daniel Sarmento (membro do MPF) por ter prestado atenção nesta específica parte do voto, citando certo jurista que fora colaborador ativo dos regimes ditatoriais (Francisco Campos, ou o Chico Ciência) “A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicá-la […]. Nos tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona igualmente, o poder constituinte”.

    Enfrentada a questão do excesso de poder, por conselhos do Barão de La Brede e de Montesquieu, temos a discussão sobre quem deveria julgar os Membros do Congresso Nacional e dos primeiros escalões do Executivo Federal por conta de crimes comuns e funcionais. Primeira instância? Tribunal Superior de Justiça (como a ele se referia José Afonso da Silva ao que hoje é o STJ)? Tribunais Regionais Federais? Tribunais dos Estados? Criação de um Novo Tribunal, a exemplo do projeto do Tribunal da Improbidade Administrativa?

    Há quem defenda mudanças estruturais, algumas delas reputadas radicais, como o prof. Paulo Queiroz (também membro do MPF), que afirma em texto interessante que o país em que vivemos é funcionalmente voltado a corrupção, e que nos próximos 100 anos pelos menos, continuará sendo, propondo as seguintes soluções, dentre elas, a extinção do foro por prerrogativa de função:

    “a)extinção do voto obrigatório, reconhecendo-se o direito de o eleitor votar somente quando quiser, se quiser, livremente; b)extinção da Câmara Distrital, passando o Congresso Nacional a deliberar sobre assuntos de sua atual competência; c)extinção de uma das casas legislativas (Senado ou Câmara dos Deputados), estabelecendo um sistema unicameral; d)extinção (irrestrita) do instituto da prerrogativa de foro (foro privilegiado); e)previsão de afastamento preventivo do servidor público diante de denúncia fundada de corrupção ou crime similar; f)redução do número de deputados, pois quantidade não significa mais qualidade nem mais representatividade; g)extinção dos cargos de vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito; h)subordinação da Polícia Judiciária ao Ministério Público, desvinculando-a do Poder Executivo; i)financiamento público de campanha político-partidária; j)adoção do voto distrital.” (Paulo Queiroz. Política e Corrupção, retirado hoje 31/10/2011 do site pessoal do autor)

    A fundamentação de tais propostas encontram-se mais longamente referidas no site do prof Paulo Queiroz, como nos artigos: “Projeto (imaginário) de Reforma do Poder Judiciário”, “Criminalidade do poder, polícia e impunidade”, “Por que o Brasil continuará sendo um país corrupto” e “Cinco reformas políticas radicais”.

    Não tenho ainda opinião formada, sedimentada, inamovível, e como o prof. Vlad mencionou seu conterrâneo Raul Seixas no post “Tentativa de Zignal”, finalizo esta já longa opinião com parte da letra “Todo Mundo Explica”:

    “O que é que a ciência tem?
    Tem lápis de calcular
    Que é mais que a ciência tem?
    Borracha prá depois apagar
    Você já foi ao espelho, nego?
    Não?
    Então vá! “

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  3. Professor,

    Você é o cara!!! Já disse antes e insisto em repetir: seus textos são muito agradáveis de ler. Parabéns. Show de bola.

    Jarbas Magalhães

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